28/02/2010


Purple allium flower, close-up by Assaf Frank

DÉCIMA ELEGIA

Só na velhice o vento não ressuscita.
A água dos olhos entra na surdez da neve
e escuta a oração do estômago, dos rins, do pulmão.
O sono desce com a marcha dos ratos no assoalho.
Tudo foi julgado e devemos durar nas escolhas.
Só na velhice os grilos denunciam o meio-dia.
O exílio é na carne.
Esmorece o esforço de conciliar a verdade
com a realidade.
A neblina nos enterra vivos.
Só na velhice o pó atravessa a parede da brasa,
o riso atravessa o osso.
Deciframos a descendência do vinho.
Os segredos não são contados
porque ninguém quer ouvi-los.
O lume raso do aposento é apanhado pela ave
a pousar o bule das penas na estante do mar.
Só na velhice acomodo a bagagem nos bolsos do casaco.
O suspiro é mais audível que o clamor.
Recusamos o excesso, basta uma escova e uma toalha.
Só na velhice os músculos são armas engatilhadas.
O nome passa a me carregar.
É penoso subir os andares da voz,
nos abrigamos no térreo de um assobio.
Pedimos desculpa às cadeiras e licença ao pão.
O ódio esquece sua vingança.
Amamos o que não temos.
Só na velhice digo bom-dia e recebo
a resposta de noite.
Convém dispor da cautela e se despedir aos poucos.
Só na velhice quantos sofrem à toa
para narrar em detalhes seu sofrimento.
O pesadelo impõe dois turnos de trabalho.
Investigo-me a ponto de ser meu inimigo.
Sustentamos o atrito com o céu, plagiando
com as pálpebras o vôo anzolado, céreo, das borboletas.
Só na velhice há o receio em folhear edições raras
e rasgar uma página gasta do manuseio.
Embalo a espuma como um neto.
Confundimos a ordem do sinal da cruz.
O luto não é trégua e descanso, mas a pior luta.
Só na velhice a forma está na força do sopro.
Respeito Lázaro, que a custo de um milagre
faleceu duas vezes.
O medo é de dormir na luz.
Lamento ter sido indiscreto
com minha dor e discreto com minha alegria.
Só na velhice a mesa fica repleta de ausências.
Chego ao fim, uma corda que aprende seu limite
após arrebentar-se em música.
Creio na cerração das manhãs.
Conforto-me em ser apenas homem.
Envelheci,
tenho muita infância pela frente.

Fabrício Carpinejar
In Terceira Sede

Two Golden Daisies by Jo Parry

Adaptei-me.
Não consegui ser motivo
de escândalo,vítima
do ódio e da vingança,
não sofri nenhuma doença séria,
o atestado médico não passou de um dia,
não me cuspiram no rosto,
não me deserdaram,
não me apedrejaram,
não tive nome estranho.
Adaptei-me,
incopetente
até para a desgraça.

Fabrício Carpinejar
In Como no Céu

CAIXA




Poemas são caixas
que se abrem em dedos,
aos poucos se povoam recantos
de leve se iluminam segredos.

Fernando Campanella
In PalavreAres-Poemas,Crônicas & Imagens
tela por Annie French

The Eternal Father by Paolo Caliari Veronese

SENTENÇA

Deus está meditando. As nuvens param
as carruagens.Os corcéis de luz,
um a um, sobre o azul se dispersaram...
A imensa esfera em vibração reluz.

Caem as asas, silenciam cantos.
Dedos de prata acariciam plumas.
Nem sorrisos,nem gestos e nem prantos,
Nem tão pouco a algidez que vem das brumas.

Ventos: Olhai de longe...mesmo a brisa
deve baixar o sôpro, devagar.
No céu um trono de ouro se arcoirisa
com sete cores para Deus pensar.

Cessa de vez o eco dos rumores.
Pára o mar, param os rios, calam cascatas.
Nem sussurro de vozes ou de amores
e nem pipilo de aves pelas matas.

As flores ficam hipnotizadas.
As plantas sincronizam seu odor.
As almas ficam todas encantadas...
Silêncio e paz na convenção do amor.

...................................

É que Deus,Uno,Forte,Onipotente,
parou e meditou.Mirou a Terra
e lavrou a sentença veemente:
Homens! Vivam em Paz! Parem a Guerra!

...................................

Mas os homens não lêem a sentença
e atirando as Nações à ré da sorte,
vão transformando em sua fúria imensa
o mundo numa fábrica de morte.

Elisa Barreto
In Outros Poemas de Elisa Barreto

Study of Mimosa in Blue by Jo Parry


Um pouco de raiva não me fará mau
Há frutos que apodrecem
por excesso de doçura

*****

Minha caridade tolerava
teus amantes
como reencarnações atrasadas.

******

Harmonia é mais penosa do que o equilíbrio
Não posso ser pesado demais,
nem muito leve,
senão o vento não carrega.


Fabricio Carpinejar
In Como no Céu

by Graham Reynolds

NÃO TE GOSTO EM SILÊNCIO

Não te gosto em silêncio porque te sinto distante...
entre tua boca e a palavra mora talvez minha angústia
como entre o dia e a noite
vacila a longa dúvida do crepúsculo.
Não te gosto em silêncio, quando há em teus olhos, pousados,
dois estranhos pássaros noturnos,
e teus lábios emudecem como a fonte nos ásperos
e intermináveis invernos.
Não te gosto em silêncio quando te envolves com as coisas
que te cercam, como se fosses uma delas,
quando estás como as águas paradas, cuja beleza
é apenas o reflexo das estrelas.
Por isto te provoco e te atiro perguntas
como pedras quebrando a impassibilidade do lago,
como pancadas no gongo que estremece e vibra
e te traz à tona para mim.
Não te gosto em silêncio, porque parece que atrás de sua voz
ainda se esconde alguém tu próprio não conheces,
há alguém embuçado a ameaçar nosso sonho
e que só tuas palavras poderão expulsar.
Não te gosto em silêncio,
porque preciso ainda de tua palavra para te descobrir,
lanterna adiante de meu passo, alvorada desenterrando
na noite emaranhada meu indeciso caminho.
Porque preciso ainda que tua palavra chegue como vento forte
arrastando nuvens, limpando céus e horizontes,
levando folhas doentes, te descobrindo ao sol....
Um dia te gostarei em silêncio.
E então me recolherei em teu silêncio,
e procurarei a sombra, como o pássaro na hora da tarde,
e porque o sol estará em nós e nada turvará meu pensamento,
entre tua boca e a palavra haverá apenas um beijo.

J.G.de Araújo Jorge

Sea Breeze by L. Lombardo

APENAS AREIA

Sou o pó
E vou no vento

Através de rios
E montes
Vou no vento

E talvez eu pouse
Talvez encontre

O mel as areias
Do teu corpo
Trazidas pelo vento.

Casimiro de Brito
In Blog Fogo Maduro

by Assaf Frank

ENSAIO SOBRE O AMOR

O amor dura sempre enquanto arde
e mesmo quando as cinzas já estão frias
o amor nem é cedo nem é tarde
o amor nunca tem as mãos vazias

o amor qual relâmpago à solta
atravessa a galope o coração
(e deixa tantas vezes a revolta
na boca e na lava do vulcão)

o amor pode ser o desengano
ou o delta de um rio até ao mar
o amor que se veste sem um pano
e apetece despir e mergulhar

o amor permanece enquanto houver
sede e fome entre o homem e a mulher

Domingos da Mota
In Blog Fogo Maduro

The Arbour by Emanuel Phillips Fox

SONETO DE PASSAGEM

Das águas corredias da memória
emergem os liames da incerteza:
retêm lendas, mitos e a história
das crenças, das ideias e a beleza

das artes, dos ofícios, da cultura,
e de terras fecundas e até sáfaras
que foram ou serão a sepultura
de quem partiu do fio das diásporas.

É veloz o decurso desta vida:
um dia após o outro e, de repente,
já fomos, e o que sobra à despedida
oxalá fosse pasto de semente:

de novo sentiríamos o sol,
quem sabe se flor, se rouxinol.

Domingos da Mota
In blog Ao rés do Nada

22/02/2010


1903 by John William Waterhouse

Quem disse que a poesia é apenas
agreste avena?
A poesia é eterna Tomada da Bastilha
o eterno quebra-quebra
o enforcar de judas, executivos e catedráticos em
[todas as esquinas
e,
a um ruflar poderoso de asas,
entre cortinas incendiadas,
os Anjos do Senhor estuprando as mais belas
[dos mortais...

Deles, nascem os poetas.
Não todos...Os legítimos
espúrios:
um Rimbaud, um Poe, um Cruz e Souza...

(Rege-os, misteriosamente, o décimo terceiro signo do
[zodíaco.)

Mario Quintana
In Esconderijo do Tempo

by Paul Emile Destouches

O RAMALHETE

Eu ando colhendo flores
para a deusa dos amores,
que além espera por mim.
Já tenho cravos cheirosos,
não-me-deixes primorosos
e o branco e puro jasmim.

Tenho violetas dobradas,
estas cravinas rajadas
e o fragrante mogorim:
para ornar o ramalhete,
tenho da sécia o alfinete
e um galhinho de alecrim.

Só a rosa aqui me falta,
que só ela não esmalta
este tão lindo jardim!
Mas também para que rosas!
Se as tem nas faces mimosas
e em teus lábios de cetim!

Gonçalves de Magalhães
(1811-1882)

21/02/2010


by Claude Monet

CANÇÃO DA TARDE NO CAMPO

Caminho do campo verde,
estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

(Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.)

Meus pés vão pisando a terra
que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

(Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a flor é minha.)

Os meus passos no caminho
são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo
minha alma é a sombra da tua.

(Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.)

De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.

(Eu ando sozinha,
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.)

Cecília Meireles
In Obra Poética

The Dream, 1939 by Marc Chagall

DIA DE SONHO

Quero um dia de sonho
para, antes do sol nascer,
colher gotas de orvalho
e dar de beber na mão
ao primeiro pássaro que vier,
cantando uma linda canção.

Quero um dia de sonho
para andar nua na chuva,
pisar em folhas de canela,
sentir seu cheiro doce,
e, como se gazela fosse,
correr por aí, toda a graça pura.

Quero um dia de sonho
para virar princesa da tarde,
apanhar flores no campo,
com elas me enfeitar
e pedir a José, o Santo,
que você seja sempre meu par.

Quero um dia de sonho
para me agarrar à nuvem primeira que passar,
sair voando, leve como criança,
e lá do alto, jogar na terra
poeira de esperança,
pedindo a Deus que o mundo inteiro
comece a se amar...

Quero um dia de sonho
para não mais sonhar!

Nair Gai
In Modo Condicional,Poesias

20/02/2010


by Sandro Botticelli

VERSOS DE OUTONO

Quando meu pensamento vai a ti se perfuma;
teu olhar é tão doce que se torna profundo.
Sob os teus pés nus ainda há brancura de espuma
e em teus lábios resumes a alegria do mundo.

O amor passageiro apresenta o encanto breve
e oferece um fim igual para o gozo e a dor.
Faz uma hora que um nome gravei sobre a neve;
há um minuto escrevi sobre a areia o meu amor.

As folhas amarelas tombam sobre o caminho
por onde passeiam tantas duplas amorosas.
E na taça do outono perdura um vago vinho
em que hão de desfolhar-se,Primavera, tuas rosas.

Rubén Darío
(1867-1916)

O DOSSEL DE TITÂNIA




















Conheço um lugar onde floresce o tomilho silvestre,
onde primaveras e violetas pendentes crescem,
coberto por um dossel de madressilvas exuberantes,
com doces rosas almiscaradas e roseiras-bravas;
lá dorme Titânia uma parte da noite,
embalada, nessas flores, com danças e festas;
e lá a serpente troca sua pele esmaltada,
qual larga folha que possa envolver uma fada;
e com o suco disto vou esfregar-lhes os olhos
e deixá-la repleta de odiosas fantasias.
Pega um pouco dele e procura neste bosque:
uma doce dama ateniense está apaixonada
por um desdenhoso jovem; unge os olhos dele;
mas faz isso de modo que a dama seja
a próxima coisa que ele veja.Reconhecerás o homem
pelos trajes atenienses que veste.
Faze-o com algum cuidado, para que ele se mostre
mais apaixonado por ela do que ela por seu amor.
E procura encontrar-me quando o primeiro galo cantar.

William Shakespeare
In Sonho de Uma Noite de Verão
tela: Titania Sleeps; A Midsummer Night's Dream
by Frank Cadogan Cowper




by Sir Lawrence Alma-Tadema

SONETO

Soneto! Mal de ti falem perversos
que eu te amo e te ergo no ar como uma taça.
Canta dentro de ti a ave da graça
na gaiola dos teus quatorze versos.

Quantos sonhos de amor jazem imersos
em ti que és dor, temor, glória e desgraça?
Foste a expressão sentimental da raça
de um povo que viveu fazendo versos.

Teu lirismo é a nostálgica tristeza
dessa saudade atávica e fagueira
que no fundo da raça nos verteu

a primeira guitarra portuguesa
gemendo numa praia brasileira
naquela noite em que o Brasil nasceu...

Menotti Del Picchia

19/02/2010


1895 by Peder Severin Kroyer

NIRVANA

Quisera ficar a teu lado
No grande êxtase pacífico
do nosso silêncio.
Continuar indefinidamente
o diálogo mudo dos nossos olhos.

Quisera
diluir-me em ti como um aroma no vento
como dois rios que fundem suas águas
no abraço do mesmo leito
e correm para o mesmo destino...

Somos duas árvores solitárias
que entrelaçam suas ramas:
à mesma brisa estremecem
florescem
envelhecem
e morrem...

Menotti Del Picchia

by Sir Alfred Munnings

LEMBRANÇAS

Teus retratos — figuras esmaecidas;
mostram pouco, muito pouco do que foste.
Tuas cartas — palavras em desgaste,
dizem menos, muito menos
do que outrora me diziam
teus silêncios afagantes...
Só o espelho da minha memória
conserva nítida, imutávela projeção de tua formosura,
só nos folhos dos meus sentidos
pairam vívidas
em relevo
as frases que teu carinho
soube nelas imprimir.
Sou a urna funerária de tua beleza
que a saudade
embalsamou.

Quando chegar o meu instante derradeiro
só então, mais do que eu,
tu morrerás
em mim.

Gilka Machado

17/02/2010

O FOTÓGRAFO



Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei.Eu conto.
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabafar sobre uma casa.
Fotografei o sobre;
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa mais,
justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.

Manoel de Barros

The Young Beggar c.1650
by Bartolome Esteban Murillo

Reflection by Joadoor

NEM TUDO

Nem tudo é proibido:
a rosa é dádiva
e há pétalas no caminho salpicadas

O sol é dádiva
o mar, o vento, o fruto
o pouso do guerreiro e as suas asas
abertas na ilusão do viadante

A sombra, o sonho, o olhar de súplica
a voz inesperada, o amor incerto
o gesto sôfrego, o adeus, o abraço,o afago
...nem tudo é proibido

A vida passa na folha que cai
no momento perdido
e na dúvida que fere vezes mais
que este medo de espinhos de que fugimos

Mauro Salles
In O Gesto

by Cali Rezo

DESAFIO

De que vale esse abandono
se não conduzimos o tempo
nem as forças das paixões?
De que vale essa firmeza
se não prevemos vontades
nem dispomos dos dias que vão ser?
Destino
Futuro
Amanhã
tudo é desafio
a que não fogem os homens
os ventos
e amores que julgamos eternos

Mauro Salles
In O Gesto

16/02/2010


Geisha Reflection by The Louise Lipman Collection

JANELAS

Em todas as janelas
me debruço,
em todos os abismos
estendo uma corda
e caminho sobre as águas,
subo em nuvens,
galgo intermináveis escadas.
Abro todas as portas
e cavernas com um sopro
ou três palavras mágicas.
Mergulho em torvelinhos,
danço no meio do vento,
pulo dentro da tempestade.
Em cada encruzilhada me sento
e tento arrumar o destino,
estranho castelo de areia.

Roseana Murray
In Recados do Corpo e da Alma

by Thanh Binh Nguyen

RECEITA DE ACORDAR PALAVRAS

palavras são como estrelas
facas ou flores
elas têm raízes pétalas espinhos
são lisas ásperas leves ou densas
para acordá-las basta um sopro
em sua alma
e como pássaros
vão encontrar seu caminho.

Roseana Murray
In Receitas de Olhar

Ring a Ring of Roses by Frederick Morgan

Como é poética e bela a quadra da infância!
Nessa primavera da vida, como na primavera do ano, tudo o que nos cerca são flores e perfumes, e tudo o que vemos fala e nos sorri.
Os campos viçosos e floridos são o nosso recreio, as borboletas e os colibris nos seduzem, o gorjeio dos passarinhos nos deleita, e a tempestade que passa no céu, bramindo na voz do trovão,nos assusta e faz-nos esconder a fronte no seio maternal.
Como é poética e bela a quadra da infância! E que saudade,que funda saudade não temos desse tempo, quando a nossa alma cheia de decepções e despoetizada pelas misérias da vida se recorda melancólica do passado!

Casimiro de Abreu
(1839-1860)
in A Virgem Loura

O FUMO



Longe de ti são ermos os caminhos,
longe de ti não há luar nem rosas,
longe de ti há noites silenciosas,
há dias sem calor, beirais sem ninhos!

Meus olhos são dois velhos pobrezinhos
perdidos pelas noites invernosas...
Abertos,sonham mãos cariciosas,
tuas mãos doces,plenas de carinhos!

Os dias são outonos: choram...choram...
Há crisântemos roxos que descoram...
Há murmúrios dolentes de segredos...

Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!
E ele é, ó meu Amor, pelos espaços
fumo leve que foge entre os meus dedos!...

Florbela Espanca
(1894-1930)
tela Passion by Sir Frank Dicksee

15/02/2010


1987 by John Cooke

O RIBEIRÃO DA MINHA INFÂNCIA

Não o reencontro.
Nem o reencontrarei
o ribeirão da minha infância.
Sua morte foi decreto público
de morte inteira.
De evitar qualquer vestígio.
Não teve prestígio.
Não tinha bandeira.

Nunca o fotografei.
Mas guardei-o em mim.
Nunca foi cartão-postal.
Mas é passaporte de saudade.

O ribeirão dorme
sob entulho,
num embrulho de crueldade.
Dorme sob a assinaturado
do decreto.
No esquecimento geral dorme
e dorme na minha inútil lembrança.

Nada o fará ressuscitar.
Riem de minhas perguntas,
caçoam do meu poema,
me apontam na rua,
me nomeiam entre os animais irracionais.

Não à minha frente
em seus disfarces de lobo e raposa.
Não em meus olhos
com seus olhos de enguia.

Mas em festas de família,sim.
E sobretudo aos sussuros,sim.
Ali dizem o que pensam
e se contorcem de rir até as lágrimas.

Lindolf Bell
In O Código das Águas

Paul and Virginie by French School

XIII

Sempre há duas solidões que se aguardam.
Por isso quero estar junto e viver-te
como a sede vive a fonte.
Atenta ao ruído que anoitece (e adentra)
do catavento sobre nenhuma presença
para dar-nos ternura,
nós que tanta ternura presumimos dar.

Sempre há duas solidões que se aguardam.
Por isso quero estar junto
como raiz e tronco
em todas as noites de insuficiência.
Daremos adornos e crepúsculos
aos rostos que nos espiam.
E para tornar-nos serenos
frente ao encontro
esmagaremos corações com nossos corações.

Sempre há duas solidões que se aguardam.
Por isso quero estar junto
como pedra em pedra
ser a sentinela do tempo em sua redoma,
olhar através da redoma os peixes
que plantam luas nas alpondras
e suprem-nos de tanta glória
numa ternura daninha de querer.

Sempre há duas solidões que se aguardam.
prestes a pousar sobre o breve corpo.

Lindolf Bell
In Incorporação

Woman With Umbrella by Claude Monet

SERÁ NUM CLARO DIA DE VERÃO

Será num claro dia de verão;
raios de sol - meu cumplice celeste -
sobre a seda e o cetim da tua veste
mais bela a tua beleza ainda farão.

O céu, como dossel na azul esfera,
ondulará fremente os folhos cálidos
por sobre os nossos rostos, muito pálidos
pela emoção feliz e pela espera.

Doces ares da noite, então chegados,
hão de afagar teus véus alegremente
e há de olhar das estrelas, complacente,
sorrir para os amantes esposados.

Paul Verlaine
(1844-1896)

The Proposal, 1860 by Alfred W. Elmore

FINAL

Resta o passado, o meu passado...minha glória,
não por mim, mas por ti, que nele existes...
Por ti, que me povoas a memória
do coração, a memória dos sentidos,
a memória imortal do pensamento,
com as mil estátuas dos teus gestos tristes,
com teus olhos de pasmo,doloridos,
com tua voz de cântico e lamento,
écloga e litania do teu amor, que era,
sobre a frialdade do meu precoce outono,
um hálito morno de primavera.

...Resta o passado, céu de eterna claridade,
paraíso perdido, céu divino,
onde a um mando de mágoa e de abandono
estacou, como o sol da Bíblia, o meu destino...

...Resta o passado, que não foge e que não cansa...

...Resta a saudade,
mais fiel,menos triste, que a esperança...

Felippe D'Oliveira
(1891-1933)

14/02/2010


The Kiss, 1894 by Henry John Stock

DESEJO

Desejo,desejo vago
de ser a tarde que expira,
ser o salgueiro do lago,
onde a aragem mal respira.

Ser a andorinha que voa
e cai, ser o último raio
de sol...e o sino que soa.
Ser o frescor do ar de maio.

Ser o eco da voz distante
que além se extingue dolente
ou essa folha que ,errante
ao vento,cai docemente...

Ser o reflexo disperso
dum ramo n'água pendido,
fluído e belo como um verso
que cante mas sem sentido!

Ser o silêncio,esta calma.
Breve momento impreciso.
Ser um pouco da tua alma...
um pouco do teu sorriso.

Eduardo Guimaraens
(1892-1928)

The golden age by Alois Hans Schramm

AS ESTAÇÕES HUMANAS

Quatro estações se sucedem no decurso do ano;
quatro estações tem o homem na vida;
tem ele sua Primavera ardente,quando a fantasia
absorve toda a beleza com facilidade;
tem seu Verão,quando voluptuosamente
rumina os doces pensamentos juvenis da Primavera
e, assim, sonhando alto,aproxima-se do céu;
grutas quietas tem a alma em seu outono,
quando as asas ele fecha,satisfeito em contemplar
as brumas,indolente,deixando as coisas belas
passarem imperturbadas como um riacho veloz.
Tem também seu Inverno,desfigurado e pálido,
sem o qual se veria privado de sua natureza mortal.

John Keats
(1795-1821)

12/02/2010


foto by mario kojima

pressentimos, pressentimos,
os frutos do inverno também são doces,
ninguém mais cabe em si,
é preciso fundir-se a outro corpo,
é preciso inventar outra razão,
e saber do corpo de meninos e meninas amantes
e dos grãos contraídos pelos ventres
do grande ventre da noite.

Depois iremos a uma festa
- a maneira mais fácil
de estar sozinho.
Depois estaremos sozinhos
- a maneira mais intensa
de sermos cruéis.
Não. nós não queremos pretender sentir o que não
sentimos.

Lindolf Bell
In Icorporação

foto by mario kojima

LIVRA O NOME DE INÚTEIS SONS

Livra o nome
de inúteis sons
de letras a mais
ou a menos

Livra o destino
do nome gravado
Do nome escrito
em areia do tempo,
no imutável tempo
do nome

Livra a alma
de escudos, estrelas demais
De tudo supérfluo,
de toda superfície,
do aluamento do ser.

Livra a liberdade
de todo lastro
De qualquer lustro
De vocábulos insólitos, grandiloqüentes,
feitos de nada,
vocábulos de enfeite, confeitos

Livra-te do palmo de terra
que te cabe
De panfletos do sentimentalismo
Dos improvisos da paixão

Livra-te de ti
antes de tudo
Livra-te a fio de navalha
Livra-te a fio de idéia
que da dor faz palha

Livra-te das idéias fixas
Porque a dor alheia
também é nossa

Lindolf Bell
In O código das Águas

foto by mario kojima

A PERDIDA ESPERANÇA

De posse deste amor que é , no entanto impossível
Este amor esperado e antigo como as pedras
Eu encouraçarei o meu corpo impassível
E à minha volta erguerei um alto muro de pedras.

E enquanto perdurar tua ausência, que é eterna
Por isso que és mulher, mesmo sendo só minha
Eu viverei trancado em mim como no inferno
Queimando minha carne até sua própria cinza.

Mas permanecerei imutável e austero
Certo de que, de amor, sei o que ninguém soube
Como uma estátua prisioneira de um castelo
A mirar sempre além do tempo que lhe coube.

E isento ficarei das antigas amadas
Que, pela lua cheia, em rápidas sortidas
ainda vêm me atirar flechas envenenadas
Para depois beber-me o sangue das feridas.

E assim serei intacto, e assim serei tranquilo
E assim não sofrerei da angústia de revê-las
Quando, tristes e fiéis como lobas no cio
Se puserem a rondar meu castelo de estrelas.

E muito crescerei em alta melancolia
Todo o canto meu, como o de Orfeu pregresso
Será tão claro, de uma simples poesia
Que há de pacificar as feras do deserto.

Farto de saber ler, saberei ver nos astros
A brilharem no azul da abóbada no Oriente
E beijarei a terra, a caminhar de rastros
Quando a lua no céu contar teu rosto ausente.

Eu te protegerei contra o íncubo
Que te espreita por trás da Aurora acorrentada
E contra a legião dos monstros do Poente
Que te querem matar, ó impossível amada!

Vinícius de Moraes
In Jardin Noturno

foto by mario kojima

HISTÓRIA DE ALMA

Meia-noite.Frio. Frio em tudo
E mais frio que em tudo, frio na Alma
A noite grande e aberta... a Alma grande e aberta...
Infinitamente frias

No alto a noite má seguia a Alma que vagava
Enregelada e nua entre todas as almas
Seguia a Alma presa
Presa por todos os lados
A Alma caminhava e a noite caminhava com ela
A Alma fugia e a noite perseguia a Alma
E a Alma parava.Então a noite também parava
E mandava um frio mais frio do que a Alma

E a Alma já fria tornava a caminhar
E a noite vinha e perseguia a Alma
E a Alma parava...e a parava...
E chorando ajoelhada pedia perdão...

Vinícius de Moraes
In Jardin Noturno

foto by mario kojima

PARTE, E TU VERÁS

Parte, e tu verás
Como as coisas que eram, não são mais
E o amor dos que te esperam
Parece ter ficado para trás
E tudo o que te deram
Se desfaz.

Parte , e tu verás
Como se quedam mudos ois que ficam
Como se petrificam
Os adeuses que ficaram a te acenar no cais
E como momentos que passam apenas
Perecem tempos imemoriais.

Parte, e tu verás
Como o que era real, resta impreciso
Como é preciso ir por onde vais
Com razão, sem razão, como é preciso
Que andes por onde estás.

Parte, e tu verás
Como insensivelmente esquecerás
Como a matéria de que é feito o tempo
Se ergarça, se dilui, se liquefaz
E qualquer novo sentimento
Te compraz

Repara como um novo sofrimento
Te dá paz

Repara como vem o esquecimento
E como o justificas
E como mentes insensivelmente
Porque és, porque estás

Ah, eterno limite do presente
Ah, corpo,cárcere, onde faz
O amor que parte e sente
Saudade, e tenta, mas
Para viver, subitamente, mente
Que já não sabe mais
Vida, o presente;morte, o ausente -
Parte, e tu verás...

Vinícius de Moraes
In Jardim Noturno

11/02/2010


foto by KoolPix

O ENCONTRO


há um pouco de fumaça nas palavras
e longos momentos nos separam

Ouve
silêncios misturados na distância
envolvem luz que se apaga

Sente
é hora de acordar
de ser de novo o amor
já despedido
de repetir o gesto
que reúne
e buscar o encontro
que julgamos perdido.

Mauro Salles
In O Gesto

foto by KoolPix

A VOCÊ,COM AMOR

O amor é o murmúrio da terra
quando as estrelas se apagam
e os ventos da aurora vagam
no nascimento do dia...
O ridente abandono,
a rútila alegria
dos lábios, da fonte
e da onda que arremete
do mar...

O amor é a memória
que o tempo não mata,
a canção bem-amada
feliz e absurda...

É música inaudível...

O silêncio que treme
e parece ocupar
o coração que treme
quando a melodia
do canto de um pássaro
parece ficar...

O amor de Deus em plenitude
a infinita medida
das dádivas que vêm
com o sol e com a chuva
seja na montanha
seja na planura
a chuva que corre
e o tesouro armazenado
no fim do arco-íris.

Vinícius de Moraes
In Jardin Noturno

fotop by CaptPiper

ILUSÃO

Deixa-me só
na minha solidão
povoada de corpos indormidos
e de mundos
que se repetem
em tristes agonias de tão-só

Larga-me
para que eu viva minhas incertezas
e repouse nas dúvidas da noite
a sombra dos meus desassossegos

Sente
nas areias
gestos
vozes que prometem
dividir tanto bem que nunca tive
repartir tanto amor que em mim não se cabe
quanto sobra de amor nos sonhos teus

Sou a ilusão desse teu dia
Não me ouças o canto
que te quero perder
querendo bem
- meu doce amor de mim.

Mauro Salles
In O Gesto

foto by CaptPiper

CONCEITO

Não se merece o amor
Não se pode exigir o amor

Amor é gesto inesperado
é luz
que a treva não sabe
antever ou pressentir

Amor é inexigível
imensurável

Ninguém tem direito de esperar amor
Amor está além dos direitos.

Mauro Salles
In O Gesto

foto by CaptPiper

PASSEIO

Vamos à praia
molhar os pés na espuma
lavar a alma nas lembranças
do amor antigo.

Vamos à mata
limpar o rosto na brisa
da tarde
enxugar as lágrimas
que não vieram

Vamos ao campo
semear poesia no solo revirado
colher frutos e flores silvestres
cantar na alvorada
com rouxinóis e canários-da-terra

Vamos partir a qualquer ponto
a qualquer hora
sem rumo, sem direção
sem as certezas
dos que não amam o impossível
não buscam o imponderável
não sonham
nem perseguem esperanças

Mauro Salles
In O Gesto

08/02/2010


Foto de Flávio Cruvi... no Flickr

Rolinhas tranquilas
arrulam à sombra da árvore
no sol de verão...

Delores Pires

07/02/2010



by Kim Anderson

HISTÓRIA MAL CONTADA

Uma menina de mais ou menos dez anos,perguntava à contadora de histórias:“o que era ser humano?O que era ser gente?” A jovem contadora,devidamente fantasiada de mosquito, naquele momento esqueceu o roteiro da história que vinha contando, quando se viu interpelada, atropelada, pela curiosidade e pela pertinência daquela pergunta.Ela então,fez de conta que não ouviu, jogou os cabelos amarelos para trás, mas já não conseguia mais achar o fio da meada do que vinha contando ,as outras crianças fazendo coro à pergunta primeira. A contadora então, tirou a peruca, as asas de papel machê, as botas de alumínio, o ferrão de cartolina,desfez-se da voz aguda, limpou a lágrima colorida que lhe enfeitava a face, devolveu ao lábio, o rosa morno e natural, desfazendo-se do batom, e prostrou-se na cadeira, onde naquela hora, mais do que nunca, era o centro das atenções.
Todos os grandes olhos pararam sobre ela. Os ouvidos atentos e interessados esperaram a resposta que não vinha, “ O que é ser humano? O que é ser humano? O que é ser humano?” – a solidão fazia eco.Tentando argumentar, falou “Gente, de repente me vejo em frente a uma metáfora! E é tudo tão simples” Percebendo o silêncio, o aumentou com sua mudez. E entre tantos olhares, a revelá-la, se destacavam os olhos da menina.
Na sala abafada daquela primavera, a contadora buscava uma resposta inteligente que satisfizesse a compreensão das crianças, e a própria.Foram poucos minutos, talvez nem isso, em que passou a imaginar algo convincente .Lembrou da sua própria curiosidade numa mala. Visualizou homens de chumbo. Reportou notícias que davam conta da aceitação e do diálogo.Tirou da memória a intolerância, o racismo, o preconceito,a fraternidade.Desfrutou de uma solidão sórdida ao saber que dela sairia uma resposta que permaneceria para sempre, e essa sensação a cada segundo que passava, cosia mais fio em sua boca.Naquele silêncio, acometia-se de vontades mais úteis que uma resposta concreta.Imaginou-se correndo, fugindo pelos armários, desaparecendo num passe de mágica.Mas sabia ela que histórias desse tipo só eram verossímeis, e interessantes, nas fábulas. A vida real exigia dela nenhuma contradição,mas um fato.Também sabia que aquelas crianças não eram as do tipo que acreditavam em monstros, nem em cegonhas.Eram vitimadas pela realidade.Pelo sonho transmutado lógico.Pela velocidade.As grandes navegações a elas pertinentes, hoje eram frutos da Internet. E que esta era uma criação humana,desenvolvida para trazer o real, à visibilidade.Cansada de esperar, a menina levantou.De forma categórica tomou posse da peruca, vestiu as asas do mosquito, pintou os lábios de vermelho,botou dois dedos nos olhos para verter uma lágrima, e pediu à contadora silêncio, porque ela iria terminar a história.Antes disso, proclamou:
“esquenta não,fessora.Minha mãe sempre diz em casa, que ser humano mesmo, o de verdade,é ser assim igual a senhora! É não ficar inventando coisas quando a gente não sabe a resposta.”

by Jornal A Notícia de 05/02/2010
– escrito por M.De Silva e Silva

06/02/2010


foto by Fernando Campanella no Flickr

XXI

Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...

Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se
- Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva...

O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que
[ o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite
[ que fica...
Assim é e assim seja...

Fernando Pessoa
In Poemas de Alberto Caeiro

Foto de Camile_Q no Flickr

XXXVIII

Bendito seja o mesmo sol de outras terras
Que faz meus irmãos todos os homens
Porque todos os homens, um momento
[ no dia, o olham como eu.
E nesse puro momento
Todo limpo e sensível
Regressam lacrimosamente
E com um suspíro que mal sentem
Ao Homem verdadeiro e primitivo
Que via o Sol nascer e ainda o não adorava.
Porque isso é natural mais natural
Que adorar o ouro e Deus
E arte e a moral...

Fernando Pessoa
In Poemas de Alberto Caeiro

05/02/2010


Red Maple Leaves by Maria Mosolova

DEPOIS

Nem a coluna truncada:
Vento.
Vento escorrendo cores,
Cor dos poentes nas vidraças.
Cor das tristes madrugadas.
Cor da boca...
Cor das tranças...
Ah,
Das tranças avoando loucas
Sob sonoras arcadas...
Cor dos olhos...
Cor das saias
Rodadas...
E a concha branca da orelha
Na imensa praia
Do tempo.

Mario Quintana
In Melhores Poemas

White Roses by Maria Mosolova

MOTIVO DA ROSA

A rosa, bela infanta das sete saias
e cuja estirpe não lhe rouba, entanto,
o ar de menina, o recatado encanto
da mais humilde de suas aias,
a rosa, essa presença feminina,
que é toda feita de perfume e alma,
que tanto excita como tanto acalma.
a rosa... é como estar junto da gente
um corpo cuja posse se demora
- brutal que o tenhas nesta mesma hora,
em sua virgindade inexperiente
Rosa, ó fiel promessa de ventura
em flor...rosa paciente, ardente,pura!

Mario Quintana
In Melhores Poemas

by Sanyu

A ARTE PURA

Dizem eles, os pintores, que o assunto não passa de uma falta de assunto: tudo é apenas um jogo de cores e volumes.Mas eu,humanamente, continuo desconfiando que deve haver alguma diferença entre uma mulher nua e uma abóbora.

Mario Quintana
In Melhores Poemas

03/02/2010


Foto de barandalla no Flickr

DEUS, BRASILEIRO?

Somos pecadores, porém Cristo
perdoa, lá do alto da montanha,
a escuridão de nossos pecados.

Somos pecadores, mas prostamo-nos
ante a infinita benevolência
de Deus, nosso criador e responsável.

E quando o sol de ouro irrompe
na ressurreição do dia e da carne,
sentimo-nos puros, pecadores
privilegiados por Deus, que é brasileiro
ou talvez carioca.

Carlos Drummond de Andrade
In Blog Labirinto Perdido


foto by mario kojima

O AMOR

Te amei sem por quê, sem de onde, te amei sem olhar, sem medida,
e eu não sabia que ouvia a voz da férrea distância,
o eco chamando `a greda que canta pelas cordilheiras,
eu não supunha, chilena, que tu eras minhas próprias raízes,
eu sem saber como entre idiomas alheios ali o alfabeto
que teus pés miúdos deixavam andando na areia
e tu sem tocar-me acudias ao centro do bosque invisível
a marcar a árvore de cuja casca voava o aroma perdido.

Pablo Neruda
In Barcarola