30/04/2012

INFÂNCIA



Quando recordo  o tempo  de criança
revivendo aquela fase linda,
envolvo-me em  magia mansa
julgando-me ser criança ainda!

Temos sempre e sentimos  dentro de nós
um pouco da linda e frágil criança,
aquela que vive simplesmente a sós
imaginando sonhos de esperança.

E neste vai e vem de nossa vida,
vez em quando uma lembrança remexida
nos torna feliz, momentaneamente.

Quase sempre é a imagem colorida
através de uma lágrima escorrida,
lembrando a criança  que fomos antigamente.

Celeste Laus
In A Décima Carta - Laus. Apenas.
tela Carolyn Blish

MINHAS MÃOS



As minhas mãos em prece, tão geladas,
Como se fossem corações em flor,
Querem o imenso prazer de serem amadas
E a beleza sem fim do teu amor.

Elas não têm das rosas desfolhadas,
A tristeza, mas nalma têm com ardor,
O branco do luar das madrugadas,
E a doçura sem fim do teu amor...

Elas formam um castelo...Se tu entrares,
Lá dentro hás de sonhar...E se sonhares,
Escuta bem o que minha alma diz:

Encontrará num turbilhão de arminhos
A tepidez dulcíssima dos ninhos
E a ventura  ideal de ser feliz.

Lausimar Laus
In A Décima Carta - Laus.Apenas.
tela Felix Mas

SAUDADE



Um momento gravado na distância,
uma relíquia oculta no passado,
um pedacinho azul de nossa infância
um doce quê, por nós amado.

Uma ternura feita de constância,
um transitório afeto, de um beijo alado...
uma sensação pura de inocência,
um resquício agridoce de pecado;

Uma vida que passou em nossa vida,
uma flor que guardaste e já secou...
uma carta perfumada e recebida;

Um desejo de não querer...querendo,
uma renúncia triste que chorou...
isto tudo é saudade ...revivendo.

Esther Laus Bayer
In A Décima Carta - Laus. Apenas.
tela de Edward Cucuel 

OUTONO




Já veio abril, o mês da cruz, eu me lembrei
do pau-brasil, que certa vez eu estudei.
De um país que, por Cabral foi descoberto.
Mas...prosseguiram os dias e eu surpresa,
desfolhando o calendário em minha mesa
descobri que outro mês já vinha perto.

E veio o maio, e era outono em Maria,
O mês da Virgem Santa. E eu sabia
que precisava desfiar o meu rosário...
mas que descuido...fui deixando o mês passar
e quando arrependida fui rezar
o terço meu, achei deserto o santuário.

Já era junho, insiste outono...a estação
das folhas que entornam pelo chão
e saem rolando sem destino, sem parar.
E as árvores, na nudez, não dizem nada.
Continuam passivamente resignadas...
Feito mulheres tímidas com receio de falar.

Córa Laus Simas
In A Décima Carta - Laus.Apenas.
 tela Thu Trang 

SEMPRE




a Carlos Barral

                                                                                I                                      

A infância é sempre.
                                Nela
uma fonte canta
como canta
como cantam
uma romã preciosa de orvalho
e a luz da manhã sobre um menino.

II

Canta a fonte segundo
o sonho
da infância.
                    Sonha a fonte
uma lenda: 
                    casuarinas
ao vento; 
                    e o açude
denso de sonhos
de afogados.

III

Sonha a fonte
                      É cálida nas veias.
Docemente me afogo em seu murmúrio.
Desço aos castelos de seixos com suas damas,
que estão comigo desde a origem
e serão as mesmas em torno
do meu leito final.

IV

Sonha a fonte.Sonha como
sonha a moça na janela,
que sonha, assim calma e bela,
o sonho com que  sonho.

Canta a fonte.Como canta
a lua na água.A alma
na carne.A moça no sonho
com que a sonho em sua calma,

em seu sonho no castelo
de seixos, nessa  janela
em que ela é todas as damas,
que sonham seus sonhos nela.

Sonha a fonte, que me sonha.
Não há tempo nem distância.
Em parte alguma horizonte,
como, em si mesma, uma fonte.

V

A infância é sempre.
                                 Como uma fonte
canta
o canto
de onde nasce a fonte.
Como um menino compõe
a luz
        da manhã,
que sonha esse
menino,
             que a sonha 
como canta uma romã,
onde roreja
a perene manhã.

Ruy Espinheira Filho
In Memória da Chuva
tela Dorian Florez 

29/04/2012

NOITE EXAUSTA




Morde o vento da noite
uma queixa abafada
pelas folhas. No pó
caem gotas pesadas.

Nos rostos muros brotam
musgos e samambaias.
Anciãos silenciosos
se agacham nos umbrais.

Mãos retorcidas pousam
sobre os joelhos duros,
entregues ao descanso
enquanto vão murchando.

Enormes gralhas voam
por sobre o cemitério.
Samambaias e musgos
nos rasos morros medram.

Hermann Hesse
In Andares

MUNDO SONHO NOSSO


 
Em sonho, à noite, cidades
e gentes, castelos no ar,
monstros - tudo, bem o sabes,
do escuro da alma a brotar,
tudo é imagem e obra tua,
és tu próprio, em teu sonhar.

Vai à cidade, de dia,
olha as ruas, rostos, nuvens,
e hás de ver maravilhado
que é tudo teu: és o autor!
Tudo que ante os teus sentidos
avulta e vive cem vezes
é bem teu, fundo em ti cala,
sonho que tua alma embala.

Andando sempre em ti mesmo,
ora a estreitar-te, ora a abrir-te,
és o que fala e o que escuta,
o que cria e  o que destrói.
Velha e esquecida magia
sagradas miragens fia,
e o mundo com seu portento
vive pelo teu alento.

Hermann Hesse
In Andares
tela Xi Pan

NUVENS DO ENTARDECER



O que um poeta imagina e burila,
e anota num livrinho, em verso e rima,
a alguns pode sem nexo parecer;
mas Deus entende e acata com prazer.

Também  ele, que cuida do universo,
de vez em vez é poeta também:
quando repicam os sinos da tarde,
como em sonho, toma nas mãos o ar
e, para a festa do final do dia,
faz lindas nuvens de ouro  tênues, muitas,
a debruar o perfil das montanhas
- espuma carmesim na pompa do crepúsculo.
Uma e outra, que lhe saem melhores,
por algum tempo ele conduz e guarda,
a fim de que, feitas de quase nada,
pairem no céu em contente sorrir.
A que parece um vão jogo de rima
logo tem algo de magia e imã
a atrair a alma humana
em nostalgia e oração a Deus.
Então a rir o Criador desperta
do breve sonho, a brincadeira esfria,
e da fresca distância desabrocha
plena de paz a noite.
Assim é que da pura mão de Deus,
mesmo de brincadeira, toda imagem
brota perfeita, formosa e feliz
como poeta  algum imaginou jamais.
Possa o teu canto terrenal valer
como um acorde musical de sinos,
e que das mãos de Deus, cheias de luz,
brotem nuvens lá em cima.

Hermann Hesse
In Andares 

CHINÊS



De uma opalina brecha entre nuvens, o luar
conta a custo as pontudas sombras dos bambus;
pinta o reflexo da ponte com a corcova de uma gato
redonda e límpida sobre as águas.

São imagens que ternamente amamos
sobre o fundo apagado do mundo e da noite,
com encanto a flutuar, por encanto traçadas
e já riscadas pela hora seguinte.

Sob a amoreira o poeta embriagado,
que maneja o pincel como segura o copo,
descreve a noite de lua que propícia o empolga,
suaves sombras e luzes que passam.
Os traços rápidos do seu pincel
desenham nuvens e a lua e todas as coisas
que em sua embriaguez seguem passando,
para poder cantá-las tão fugazes,
para animá-las com sua ternura,
para doar-lhes alma e permanência.

E elas passam a ser intransitórias.

Hermann Hesse
In Andares 

28/04/2012

PARA ALÉM DOS AMANTES



Os amantes atravessam as dunas
e são sombras fortuitas, perfis de areia,
bocas de espuma na direcção do vento.
A tentação do abandono é que se torna
assim leves, precários como só
as ondas e as as aves podem ser.

Os amantes incorporam no que dizem
a sabedoria saliente da polpa dos dedos
descobrindo os sítios do encontro:
aqui o ventre, ali o púbis, além dos lábios.
Os amantes são o amparo das tardes ásperas,
quase exaustas de sol, de maresia entranhada
nas roupas, nos cabelos; quem queira saber o
sortilégio da lua e beijar as águas
terá deles uma única e definitiva resposta:
a luz, o infinito, a água.Para além dos amantes
um fingimento de felicidade a rondar
o círculo largo do voo das gaivotas.

José Jorge Letria
In Percurso do Método
tela Graeme stevenson  

26/04/2012

OS PASSOS DO OUTONO




Deixe florir essas mãos
de carinho e mistério
que tocam o abismo
insondável
lá onde os pássaros dormem

Marque com seus pés
caminhos de passado e de futuro
na procura da alma escondida
no meio dos anjos
que dançam
canções de outono

As flores caem
espalham pétalas na areia
mas permanecem vivas
no coração da história
que não terminou

Entenda o poeta
que está a seu lado
no tempo que passa
e deixa saudades.

Mauro Salles
In Recomeço
tela Roman Garassuta 1958 | Moscow

25/04/2012

EXAUSTÃO





Eu queria tanto, tanto
que arrisquei todas as maneiras
e todos os feitiços.
Pedi até ao santo
que andava de muito
meio omisso
e no ardor da reza,
até chorei.
Só que santo não se comove
com lágrimas de fiel;
acho que lá do céu 
é difícil  avaliar a extensão
da corrosão da água corrente.
(Mas mesmo assim eu permaneço crente.)
Desapontada, tentei a encruzilhada,
o guru,
a cartomante.
Como não fosse o bastante,
passei a ter sempre à mão
frases de efeito contudente
e poder de convicção.
Abusei do pensamento positivo:
tudo serviu como lenitivo.
Num compasso de cansaço
e frustação,
vou carregando agora a sensação
de finitude.
...porque te amei muito mais do que te pude.

Flora Figueiredo
In Calçada de Verão
tela Xi Pan
http://marialaterza.blogspot.com

QUARTETOS




Desdenho os teus passos
Retórica triste:
Sorrio na alma
De ti nada existe

Eu morro e remorro
Na vida que passa
Eu ouço teus passos
Compasso infernal

Nasci para a vida
De morte vivi
mas tudo se acasa
silêncio.Morri

Ana Cristina Cesar
1967
tela Yasmina Alaoui
http://marialaterza.blogspot.com/2011/08/yasmina-alaoui-france-body-painting.html#more

24/04/2012

PERCEPÇÃO



O mundo te rodeia de cercas e desejos,
te comprime no refúgio de teu quarto
e te restringe à lamina das coisas
no seu fino acontecer.

Todavia o amor é para toda a vida,
é para sempre e um dia e mais talvez:
o amor te prende às palavras e te liberta
na invenção de alguns códigos e silêncios.
É possível que a tua cota de realidade
seja agora por demais excessiva
e apenas te deixe perceber os possíveis
de outros planos e subversões.

Vê como as cortinas disfarçam o teu olhar,
como as ruas se enrodilham aos teus pés
e como algumas veredas vão desaparecendo
nos teus desertos e viagens.
Que seria de ti sem os teus espelhos?
sem a jarra de flores que guarnece
o espaço dessa mesa de pernas para o ar,
com velhas catacreses na gaveta?

É para ti que as águas vão polindo
os sentidos desse único sentido
ainda vulnerável, mas perdido na cena,
no espetáculo obsceno de ti mesmo.

Gilberto Mendes Teles
In Plural de Nuvens

MUSA



Nos ladrilhos da noite, quando os ermos se curvam
na linha da partida e o volume das águas
aumenta a sonolência dos ventos e marés,
eu sei que te levantas e passeias na praia
acendendo fogueiras e tentando o mais íntimo
das coisas recolhidas.
                                  É como se dançasses
nas espumas do rio, como se retomasses
o diálogo das naus e fosses decifrando
o sentido das nuvens no curso do ocidente.

Mas quando dás notícias de ti, das tuas ilhas,
e descreves o fascínio das coisas memoráveis
no outeiro que te guarda inteira nas manhãs,
eu sei que te debruças sobre os signos da areia
e cavas o teu silêncio até nos últimos
navios da viagem.
                                  E é como se teu gesto
fundasse a monarquia de outro descobrimento,
como se um novo périplo se abrisse no horizonte
das coisas na memória.

Gilberto Mendonça Teles
In Plural de nuvens
tela Joaquin Sorolla y Bastida

23/04/2012

VOLTA



Volta.
Porque te quero sugar a ebulição
 e a efervecência.
Porque preciso denegrir a tua ausência.
Volta.
Porque o espaço oco permanece
sem teu espasmo louco.
Porque a vida desleixa e desmerece.
Porque falta seiva à flor
que oscila e pasma
e tomba a graça insana que se rasga.
Volta.
Para vestir a alma rala e nua,
assumir o êxtase,
renovar o sangue.
Volta, que me preciso tua.

Flora Figueiredo
In Calçada de Verão
tela Maria Amaral

SIGNO



Ainda existe a rosa nos cabelos
vermelhos da poesia.

Ainda há força
no azul do seu mistério, no seu canto,
no eixo de sua aérea encruzilhada.

Ainda, a sua origem, seu mais íntimo
silêncio: o veludoso ardor das pétalas,
o aroma das amoras no políndromo,
das palavras de aladas peripécias.

Ainda, esta morada, o seu precioso
espaço interior, o alumbramento
da forma em desatino, a descontínua
perspectiva do ser na travessia.

Ainda, a sua angústia, o novo tempo
se exaurindo nas coisas, lapidando
os favos da romã e consumindo
seu avesso de fogo e sutilezas.

E ainda a sua imagem:
lago, espelho,
alma e corpo submerso, o indelével
estribilho do amor e seu disfarce,
e seus pontos de cruz na superfície.

Gilberto Mendonça Teles
In Plural de Nuvens 
tela Brenda Burke

INSTANTE DE AMOR



Me ame apenas
no preciso instante
em que me amas.

Nem antes
nem depois.
O corpo é forte.

Me ame apenas
no imenso instante
em que te amo.
O antes é nada
e o depois é morte.

Affonso Romano de Sant'Anna
In Intervalo Amoroso
tela Maria Amaral 

ÁRVORE



Um passarinho pediu a meu irmão para ser a sua árvore.
Meu irmão aceitou de ser árvore daquele passarinho.
No estágio de ser esta árvore meu irmão aprendeu de
sol, céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu  irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor
o azul.
E descobriu que uma casca vazia de cigarra esquecida
no tronco das árvores só presta para a poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as
árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se
transforma, envaidecia-se quando era nomeada para
o entardecer dos pássaros.
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos
brejos. Meu irmão agradeceu a Deus aquela
permanência em árvore porque fez amizade com muitas
borboletas.
Manoel de Barros
In Ensaios Fotográficos
tela Oleg Shuplyak
http://marialaterza.blogspot.com/

21/04/2012

NOITE



As casas fecham as pálpebras das janelas e
dormem.

Todos os rumores são postos em surdina
todas as luzes se apagam.

Há um grande aparato de camara funerária
na paisagem do mundo.

Os homens ficam rígidos
tomam a posição horizontal
ensaiam o próprio cadáver.

Cada leito é a maquete de um túmulo
cada sono um ensaio de morte.

No cemitério da treva
tudo morre provisoriamente.

Menotti  Del Picchia
In Entardecer

SOLUCIONANDO


Van Gogh cortou a própria orelha e
a deu para uma
prostituta
que com
nojo
extremo
atirou-a ao vento.
Van, putas não querem
orelhas
elas querem
dinheiro.
Acho que agora sei por que
você foi um grande
pintor: você
não compreendia
as outras coisas da vida.

 Charles Bukowski
In http://velhobukowski.blogspot.com.br/

20/04/2012

FLORES DOS MAIS


Devagar escreva
uma primeira letra
escreva
nas imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais, devagar
peça mais
e mais e
mais.

Ana  Cristina Cesar
In Inéditos e Dispersos
tela Ditz

18/04/2012

O ESPÍRITO ANDA VAGAROSAMENTE



A paixão pelas flores, plantas e animais nos devolvem à delicadeza.
Instigam o homem com seu silêncio, frescor e companhia.
Aromas e lealdade transitam pela alma inconstante.
Remetem-nos para os confins do sempre.
Objetos justificam recordações.
Mantêm os que se afastam.
Olhares não correspondidos, lágrimas choradas sem aviso,
dias e noites oferecidos pelo amor e suas implosões,
arrastam o espírito.
O coração é lento quando se apaixona.
Queremos o amanhã atropelado.
O homem se encanta pelo imediato.
A longevidade é o agora para quem arrisca.
As tartarugas sabem da constância.
Escondem a ousadia do caminho.
Possuem a tristeza dos que estão sozinhos.
A sabedoria lhes confere a timidez exposta.
Guardam o tesouro da demora.
Esperam o afago enquanto a carcaça se expõe ao sol.
Sonham no mar o que desovam na terra.
Quelônios sobrevivem porque tardam.

Rita de Cássia Alves
tela Bill Inman...

17/04/2012

ASSIM SEJA!



Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido.

Morre com a alma leal, clarividente,
Da crença errando no Vergel florido
E o pensamento pelos céus, brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário
Do teu Sonho no templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa...

Morrecom o teu Dever! Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa,
Desdenhando de toda a Recompensa!

Cruz e Sousa

DE ALMA EM ALMA


Tu andas de alma em alma errando,errando,
Como de santuário em santuário.
És o secreto e místico templário
As almas, em silêncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando,
Que sons de peregrino Estradivarius
Que lembras reverências de sacrário
E de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido
Atrás de um belo mundo indefinido
De Silêncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das  nobres reverências!
A alma da Fé tem dessas florescências,
Mesmo da Morte ressuscita e brilha!

Cruz e Sousa
In Faróis

15/04/2012

EM UMA TARDE DE OUTONO



Outono. Em frente ao mar. Escancaro as janelas
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto.
Outono...Rodopiando, as folhas amarelas
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto...

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas,
Visitaste este mar inabilitado  e morto,
Se logo, ao vir do vento, abriste  ao vento as velas,
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto?

A água cantou. Rodeava, aos beijos, os teus flancos
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos...
- Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol!

E eu olho o céu, e vejo o oceano triste,
E contemplo o lugar por onde te sumiste,
Banhado no clarão nascente do arrebol.

Olavo Bilac
In Poemas
tela Ronnie Leckie

REMORSO



Às vezes, uma dor me desespera...
Nestas ânsias e dúvidas em que ando,
Cismo e padeço, neste outono, quando
Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,
Sem os gozar numa explosão sincera...
Ah! mais cem vidas! com que ardor quisera
Mais  viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que esperdicei na juventude;
Choro, neste tempo de velhice,
Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,
Por timidez o que sofrer não pude,
E por pudor os versos que não disse!

Olavo Bilac
In Poemas
tela ZAYASAIKHAN SAMBUU 

*****



Quebrado o espelho
resta ainda a face
impessoal e exacta
a desvendar.

Quebrado o espelho
estamos face a face
mais um do outro
do que de nós mesmos.

Quebrado o espelho
meu amor
busquemos
tanto um no outro

que se reconstrua
dos nossos corpos
contra a morte erguidos
a essência mortal que os definiu.

Helder Machado
In Viagem de Inverno
tela ANGELA BETTA CASALE

CONTROLE REMOTO



Amar o próximo
É folgado
O difícil é se dar
Com o homem do lado.

Millôr Fernandes
In Poemas
tela August Macke

POEMINHA PRUMA ÉPOCA DE EXTREMA EXACERBAÇÃO SEXUAL



Eu também gosto
De permissividade,
Garotada.
Mas, aqui entre nós,
E na alminha,
Não vai nada?


Millôr Fernandes
In Poemas
tela Portinari

A SUPERSTIÇÃO É IMORTAL



Quando eu era bem menino
Tinha fadas no jardim
No porão um monstro albino
E uma bruxa bem ruim.

Cada lâmpada tinha um gênio
Que virava ano em milênio
E, coisa bem mais perversa,
Sapo em rei e vice-versa.

Tinha Ciclope, Centauro,
Autósito, Hidra e megera,
Fênix, Grifo, Minotauro,
Magia, pasmo e quimera.

Mas aí surgiram no horizonte
Além de Custer e seus confederados
A tecnologia mastodonte
Com tecnologistas bem safados.
Esses homens da ciência me provaram
Que duendes,bruxas e omacéfalos
Eram produtos imbecis de meu encéfalo.
Nunca existiram e nunca existirão:
uma decepção!

Mas continuo inocente, acho.
Ou burro, bobo, ou borracho.

Pois toda noite eu vejo todo dia
Tudo que é estranho, raro, ou anomalia:
Padres sibilas
Hidras estruturalistas
Ministros gorilas
Avis raras feministas
Políticos de duas cabeças
Unicórnios marxistas
Antropólogas travessas 
Mactocerontes psicanalistas
Cisnes pretos arquitetos
Economistas sereias
Democratas por decreto
E beldades feias
Que invadem a minha caverna
E me matam de aflição
Saindo  da lanterna
Da televisão.

Millôr Fernandes
In Poemas 

12/04/2012

A MÃO



Partimos na frescura da manhã
e só o coração nos guiava,
ouvindo os sinais, a intermitência do vento
que percorria a floresta,
escutando o murmúrio da fonte.

E nada nos era vedado,
pois a nossa busca era outra
inumana e desmedida, por dentro dos nomes
e dessa página aberta, que era a nossa viagem.

E nada nos era vedado
porque outras eram as nossas margens,
outro o nosso desejo, no avesso do dito,
habitávamos as entranhas do tempo
como quem se demora,
sabendo que nada perdura.

E nada nos era vedado,
nessa jornada onde o medo era também liberdade,
outra a nossa fala, esse balbuciar
implodindo na flor do silêncio.

E nada nos era vedado
porque outra era a nossa pátria,
esse canto que subia no coração do dia,
entre o exílio e a promessa.

E nada nos era vedado
porque nunca se parte
apenas se regressa,
prisioneiros da mão do destino,
na passagem entre o sonho e a memória.

João Maria Cantinho
tela Jack Vettriano -

RITOS DA PASSAGEM I



Sigo o passo lento dos animais,
o ritmo milenar, o canto do vento
indicando o caminho dos nómadas.

Ao dia sucede a noite,
enquanto seguimos, lentamente,
lendo uma outra escrita
que se desenha nas estrelas,
constelações, runas, vestígios minerais
e pela madrugada dançamos
em redor do fogo, embriagados
como se fôssemos deuses antigos.

Maria João Cantinho
Imagem Koch & Wolf

06/04/2012

QUINTA MEDITAÇÃO



Amém e adeus
São palavras do princípio e do fim.
Amém para que tudo se consume um dia
Segundo foi prometido e está escrito.
Amém da manifestação concreta do mistério,
Amém para o recém nascido e para o recém morto,
Que tudo se inscreva no amém.

Adeus tanto ao partir como ao chegar,
Adeus para aceitar antecipadamente
Que Delícia e Prazer
Sejam anulados amanhã,
Adeus inscrito em letras de pastores no topo do berço,
Adeus ao universo que desde já se descola,
Adeus ao irreversível jasmim de amor,
Adeus a todos que nos precederam
E àqueles mesmos que virão depois,
Adeus e amém.

Adeus, palavra da intimidade da desolação, 
Amém, palavra da intimidade do juramento e da promessa,
Amém para transformação do símbolo em realidade,
Amém e adeus da luz branca,
Amém do olhar funerário e ressurgido,
Amém e adeus, palavras do infinito íntimo
Que também se manifesta
Em núcleos de letras mínimas e de som,
Adeus dos sinos e da fonte oculta,
Adeus da asa do pássaro e da vela,
Adeus e amém.

Murilo Mendes
In Dispersos/ O Infinito Íntimo
foto de Martin Moos

A RESSURREIÇÃO




Descalçando a morte, dos infernos vindo,
Rompe a dura matéria do universo
O Cristo. Unido ao Pai celeste no jardim
Prepara a coroa do homem novo.

Maria Madalena em véus azuis
Pensa ver o hortelão, mas  logo O vê:
Quem Lázaro da cova levantou,
Diante dela agora se levanta.

O mestre diz:"Maria não me toques.
Subo para meu Pai e vosso Pai,
Para meu Deus e vosso Deus". Ressurge

Dentre os mortos, com Ele ressurgimos
Que já nos  precedeu na Galiléia
Eterna, vida nossa e nostalgia.

Murilo Mendes
In Sonetos Brancos
Tela Tintoretto / The Resurrection of Christ

05/04/2012



FELIZ PÁSCOA





GOSTO



Gosto do cheiro das árvores
Do cantar dos passarinhos.
Da relva fresca, molhada,
Das pedras do meu caminho.

Do azul do mar revolto
Das ondas espumantes,
Das brancas praias silenciosas,
Dos raios do sul ofuscante.

Do céu pontilhado de estrelas,
Da bela luz do luar,
Das nuvens esparsas, girando,
De um cantinho para amar.

Maria Ássima Fadel Dutra (Mariana)
In Sonhar e Viver

"FLOR DA SAUDADE"


No jardim da minha vida
Existe ainda uma flor.
Ela se chama saudade
E a cultivo com amor.

Lilaz é a sua roupagem
De perfume embriagador.
Faz viver a esperança
Faz reviver o amor.

Todas as flores secaram
Só a saudade restou.
Traz  lembrança do passado
Que o tempo não apagou.

Maria Ássima Fadel Dutra (Mariana)
In Sonhar e Viver
foto starush

04/04/2012

O AMOR ETERNO



O amor eterno começa desde já  neste  mundo mesmo. Eu te amo para sempre -
e quando morrermos não seremos separados pela carne:

Quando o grande anjo gritar NÃO HAVERÁ MAIS TEMPO
(Quando o grande anjo gritar NÃO HAVERÁ MAIS SEXO)

Minha essência pura se reunirá à tua e seremos um só. Tu serás a musa e o poeta-eu
serei o poeta e a musa. Nascerá a poesia eterna e una.

Murilo Mendes
In Poesia Completa e Prosa
tela Han Mes