30/11/2009
Foto de Henri Bonell no Flickr
VOLTA O OUTONO
Um enlutado dia cai dos sinos
como trêmula teia de vaga viúva,
é uma cor, um sonho
de cerejas mergulhadas na terra,
é uma cauda de fumaça que chega sem descanso
a trocar a cor da água e dos beijos.
Não sei se me entendem: quando do alto
se avizinha a noite, quando o solitário poeta
à janela ouve correr o corcel do outono
e as folhas do medo pisoteado rangem nas suas artérias
há algo sobre o céu, como língua de boi
espesso, algo na dúvida do céu e da atmosfera.
Voltam as coisas ao lugar,
o advogado indispensável, as mãos, o azeite,
as garrafas,
todos os indícios da vida: as camas, sobretudo,
estão cheias dum líquido sangrento,
a gente deposita sua confiança em sórdidas orelhas,
os assassinos descem escadas,
mas não é isto, e sim o velho galope,
o cavalo do velho outono que tremula e dura.
O cavalo do velho outono tem a barba vermelha
e a espuma do medo lhe cobre as faces
e aragem que o segue tem forma de oceano
e perfume de vaga podridão enterrada.
Todos os dias baixa do céu uma cor cinzenta
que as pombas devem repartir pelas terras:
a corda que o esquecimento e as lágrimas tecem,
o tempo que dormiu longos anos dentro dos sinos,
tudo,
os velhos trajes mordidos, as mulheres que olham chegar a neve,
as papoulas negras que ninguém pode contemplar sem morrer,
tudo cai nas mãos que levanto
no meio da chuva.
Pablo Neruda
In Residência na terra II
Foto de Henri Bonell no Flickr
JOSIE BLISS
Cor azul de exterminadas fotografias,
cor azul com pétalas e passeios ao mar,
nome definitivo que cai nas semanas
com um golpe de aço que as mata.
Que vestido, que primavera cruza,
que mão sem cessar busca seios, cabeças?
O evidente fumo do tempo cai em vão,
em vão as estações,
as despedidas onde cai o fumo,
os precipitados acontecimentos que esperam com espada:
de repente há algo,
como um confuso ataque de peles-vermelhas,
o horizonte do sangue tremula, há algo,
algo sem dúvida agita as roseiras.
Cor azul de pálpebras que a noite lambeu,
estrelas de cristal desengonçado, fragmentos
de pele e trepadeiras soluçantes,
cor que o rio cava batendo-se na areia,
azul que preparou as grandes gotas.
Talvez continuo existindo numa rua que a aragem faz chorar
com um determinado lamento lúgubre de tal maneira
que todas as mulheres se vestem de surdo azul:
eu existo nesse dia repartido,
existo aí como uma pedra pisada por um boi,
como testemunha sem dúvida esquecida.
Cor azul de asa de pássaro de esquecimento,
o mar completamente empapou as plumas,
seu ácido degradado, sua onda de peso pálido
persegue as coisas amontoadas nos rincões da alma,
e em vão a fumaça golpeia as portas.
Aí estão, aí estão
os beijos arratados pelo pó junto a um triste navio,
aí estão os sorrisos desaparecidos,as roupas que a mão
sacode chamando a aurora:
parece que a boca da morte não quer morder rostos,
dedos,palavras,olhos
aí estão outra vez como grandes peixes que completam o céu
com seu azul material vagamente invencível.
Pablo Neruda
In Residência na Terra II
29/11/2009
Foto de mindfulness
O RELÓGIO CAÍDO DO MAR
Há tanta luz sombria no espaço
e tantas dimensões de súbito amarelas,
porque não cai o vento
nem respiram as folhas.
É um domingo detido no mar,
um dia como um navio submerso,
uma gota de tempo que assaltam as escamas
ferozmente vestidas de umidade transparente.
Há meses seriamente acumulados numa vestimenta
que queremos cheirar chorando de olhos fechados,
e há anos em um só cego signo da água
depositada e verde,
há a idade que nem os dedos nem a luz apressaram,
muito mais estimável que um leque roto,
muito mais silenciosa que um peixe desenterrado,
há a nupcial idade dos dias dissolvidos
num triste túmulo que os peixes percorrem.
As pétalas do tempo caem imensamente
como vagos guarda-chuvas parecidos com o céu,
crescendo em torno, é apenas
um sino nunca visto,
uma rosa inundada, uma medusa, um longo
latejo quebrantado:
mas não é isso, é algo que toca e gasta apenas,
uma confusa pegada sem som e sem pássaros,
um desenvolvimento de perfume e raças.
O relógio que no campo se estendeu sobre o musgo
e golpeou uma anca com sua elétrica forma
corre desatado e ferido debaixo da água temível
que ondula palpitando de correntes centrais.
Pablo Neruda
In Residência na Terra II
28/11/2009
SERENIDADE
Tu me ensinaste a amar mansamente,
Sem espera,sem pressa, sem angústia,
Amor que não exige,
Amor que não reclama,
Amor que nem se atreve mais
A repetir que ama,ama,ama...
Tu me ensinaste a amar mansamente,
Em silêncio, serena, imóvel,calma.
Como te chamarei,
Amor de quietude,
Amor que nem se atreve mais
A esperar,amor que não se ilude...
Mas é tão falsa essa serenidade,
Tão frágil,inútil,mascarada,
Que mal resiste a um riso teu
E já se sente amada!
De novo, um turbilhão me invade a alma,
A agitação me possui, viro tormenta,
Mar que te anseia e arrebenta
Em tua paz...
Depois, voltando à calma,
O meu amor se recolhe,
A mansidão perdura,
E serena,amando espero,
Teu novo gesto de ternura...
Mila Ramos
In Pé de Vento
Raika...por Hana Lidia ...
CANÇÃO DO MEU OLHAR
Se meu olhar
te disser além, muito além
do que queres saber,
desvia.
Se meu olhar
me trair
e deixar transparecer
toda a ternura,
que tenho por ti,
disfarça.
Se meu olhar
tentar ainda assim
te conquistar e seduzir
e o brilho ardente
te incomodar,
dissimula.
Se meu olhar,
em teu olhar, encontrar
a mesma sintonia,
por favor, sorria.
Dúnia de Freitas
In Danada
27/11/2009
by Claude Theberge
A INEXATIDÃO DAS ROTAS
Na geografia da tua boca
inundaram-se todos os mapas.
Sigo por estradas indivisas
dentro do tempo que me alaga.
Há meridianos em mim.
Hemisférios de solidões me abordam
Dormem.
Caminhos sinuosos me inclinam
ao abismo feroz da beira dos meus passos.
Restaram ainda uns pedaços
dos destinos que não cumprimos.
Nós: nortes contrários.
Temporais sem âncoras
e sem itinerários.
Pontos cardeais oscilantes no espaço
à procura da rosa dos ventos.
O amor sem bússola e sem instrumentos
navega sem direção?
Pertencem aos que não sonham
as rotas exatas?
Ou carecem de destino
Os tolos sem norte?
(Estes, que escrevem
e amam)
Patrícia Claudine Hoffmann
The Scream by Edward Munch
O GRITO
Toda a insatisfação
o homem demonstrou
no grito angustiado
que a situação gerou.
Chega de desumanidades,
de ironias, de chacotas.
Chega de tiranias,
de tensões e de revoltas.
Chega de capitalismo
onde a exploração
enriquece a minoria
e o resto...tem que pastar.
Dúnia de Freitas
In Rastos
26/11/2009
Foto de mindfulness no Flickr
há pássaros investido em mim
saudades e força das tardes
despoluídas de céus
escuros e velhos
sinto o roçar de asas brancas
de luzes marés
no interior do meu corpo
agora entrego meus dias ao voo
distendo meu espaço à luta
contra o passado obscuro
palmilho o céu das noites prenhas e
provoco o parto necessário
dos novos amanhãs.
Renato Tapado
In Poemas para quem Caminha
VELHICE
Chega o vento
e leva tudo;
tudo vai tristonho e mudo
como a água vai pro mar...
Passa o vento
passa o tempo
e as lembranças do passado
vão ficando
vão mofando
no seu armário fechado...
Leva, vento
leva tudo, sem lamento:
-flores secas, cartas relidas
livros e fotografias
cartões e outros achados,
velhos sonhos desta vida
que já estão amarelados.
Chega o vento e leva tudo
tudo que já não pode ficar...
vai tudo tristonho e mudo
como a água vai pro mar!
Zoraida H. Guimarães
In Na Passarela do Tempo
Foto by mindfulness
Recebi do meu querido Amigo e Poeta, Fernando Campanella, que admiro muito, o desafio de completar estas cinco frases:
Eu já....
Eu nunca....
Eu sei...
Eu quero...
Eu sonho...
Estas são as minhas respostas:
Eu já ...acreditei em político, doce ilusão...
Eu nunca...escrevi um poema...quem sabe...
Eu sei ... sonhar é preciso, mas...
Eu quero ... que meus alunos leiam poesia...quem sabe, assim, serão pessoas melhores,mais sensíveis e mais humanas.
Eu sonho ...com um mundo melhor para as futuras gerações, mundo este, em que a Natureza será respeitada e protegida por todos.
Obrigada, Poeta...
21/11/2009
foto by bichoslindo.blogspot
IMITAÇÃO DE WILLIAN SHAKESPEARE
"Temos olhos para não ver"
Salmos 113.13
Argila ou não argila,
eis a sombra ou agonia vã,
A língua, jaguar que ventilamos,
jaguar em brasa
que se rasga na escritura.
Considero lodo que perscruto.
Se abro os olhos e miro o jaguar,
não é o jaguar que miro?
Se fecho os olhos e imagino o jaguar,
não é o jaguar que imagino?
Imaginar é ver? Ver é imaginar?
Aconselho-te que feches os olhos
para veres a luz dos olhos teus.
E ler puro amor a verdade.
Fernando José Karl
by Claude Monet
para Eliete Wolff
a foz do teu rio
tem caminhos pintados
de olhares e mãos enlaçadas
não perco essas águas sinceras
como pincéis sujos de vida
que brotam com o sol nessas margens
assim obedeço meus olhos
e parte de mim se embeleza
perto de um coração selvagem
Renato Tapado
In Poemas para quem Caminha
20/11/2009
by Claude Monet
O AMOR QUE O VENTO LEVOU
Olá amor que o vento levou. Sei que andas por aí. Se passares pelo vento, não sejas descuidada, ouve as palavras de tristeza que eu lhe implorei para te oferecer quando passasses por ele. E se, por mero acaso, sentires uma chuva miudinha molhar-te os cabelos, lembra-te que são as lágrimas que estes olhos despiram às mágoas que eu sei que tu não sentes, porque fizeste da tua vida um recado de fronteiras desconhecidas. São muitas as memórias que ouço nas calçadas das ruas, quando sou um vadio da noite. Ouço os teus saltinhos ligeiros, rompendo os ritmos da noite para me contarem a paixão que se desprendia dos teus olhos sorridentes. Era quando eu sentia que a coragem de viver era um risco sem reclusão. Eu sei que o vento te conhece. Eu sei que o vento me conhece. Porque será que nos deixámos de conhecer? Há uma tristeza que não se controla quando o corpo sente que é um passado de um futuro que nunca mais nasce. Quando olho as montras e descubro, em certas roupas, o teu corpo, imagino o prazer de uma delicadeza que se revelava em mim, quando te vestia as roupas que compravas, entre as gargalhadas de um humor infantil e o prazer que se libertava dos corpos nus. Éramos dois clarões de uma tempestade que pacificava o tempo. Tenho dias que ouço o riso estridente das memórias que não simpatizam comigo. São sons que combato com a música que nascem nos candeeiros das minhas fugas à realidade. Será que me ouves, ó vento? Tenho um coração de cavalos que galopam e relincham de liberdade por sentirem que o ar que respiram é o arfar deste amor que te revelo para espalhares pelo mundo que sabe por onde anda o corpo, doce e terno, que se enrola comigo em sonhos que qualquer sombra do tempo recolhe como um tesouro que ninguém descobrirá. Há noites que sinto que os nossos corpos nus dançam danças que só a nossa cama compreende, porque é o nevoeiro de uma esperança perdida que se encontra na aurora de toda uma vida por viver.
Olá vento, diz-me como se ama o amor que eu amo e que se perdeu na vaga do vento, que sopraste num dia, em que eu me esqueci de ser quem fui. Ouve, ó vento, que passas por mim, diz-lhe, se a vires, que mesmo que o tempo me escureça, eu lutarei, eternamente, para ser a luz que lhe falta, se ela não se tiver perdido na noite de outro dia.
Jorge Brasil Mesquita
In Blog comboiodotempo
by Willem Haenraets
QUINTAL DAS MEMÓRIAS
Entre o bocejo e o sonho
penetro em meu quintal.
As árvores, testemunhas de minha infância,
sempre de pé, sem mudar de posição,
estão lá...vestidas de silêncio.
O flamboyant.O ipê. A sibipiruna.
O marmeleiro e suas varas flexíveis
cheio de ais arrancados pelo vento.
A jabuticabeira enfeitada de festa
com colares de ônix volteados no tronco.
A pitangueira mostra visão
de um candelabro de jóias vermelhas
ardendo em pleno dia.
Rosas circundam os beirais dos canteiros.
Entre tudo, jardins circulares
guardam amores-perfeitos.
Este era o lugar sagrado, o recanto do monólogo:
eu comigo, solidão acompanhada.
Chão lavado de chuva
recende no ar o cheiro da terra molhada.
O silêncio me interroga.
Espio as árvores vivas,
as raízes enlaçadas, os ramos estretecidos.
Minha memória aspira largamente o ar
carregado de cheiro de infância.
Dúnia de Freitas
19/11/2009
foto by Fernando Campanella
PÁSSARO PERDIDO
Mesmo que seja um pássaro perdido
Nos olhos que não sabem porque voa
Há uma certa ternura que ecoa
Nos ouvidos dum carinho escondido
Sem espaço seguro p´ra pousar
Ninguém ouve a tristeza do seu canto
Nem mesmo no poente do seu encanto
Se vê a amargura do olhar
Que anseia pelo abrigo da cantiga
Que conta a solidão da mão amiga
P´ra que se abra ao romper da aurora
A meiguice do amor que não demora
A crescer como a fonte da hora
Que mata a sede à dor antiga
Jorge Brasil Mesquita
In Blog Comboiodotempo
foto by Friburgotecnologia
GALILEO GALILEI
Se a terra não se movesse
Como Galileo afirmou
Talvez a cabeça não doesse
E eu não fosse quem não sou
Galileo dir-se-ia enganado
P´la luz do Sol e a cruz da Lua
Que são filhos do mau-olhado
E não ouvem os sons da rua
Se o Galileo habitasse
No grande centro do urbanismo
Teria tido direito ao passe
Dos domínios do cinismo
E então Galileo diria
Que a Terra era uma moradia
E todo o esforço que faria
Seria ver a noite e o dia
Se ele não fosse julgado
P´lo movimento que o moveu
Os juízes só teriam jurado
Que a Terra era um sonho ateu
Movendo-se sem se mover
Galileo o terror da roda
Que ao rodar rodou sem se ver
Inventa a rotação da moda
Mas como toda ela se move
Galileo descobriu o absurdo
E não havendo ninguém que o prove
Há sempre o grito que urdo
Jorge Brasil Mesquita
In blog Comboiodotempo
18/11/2009
foto by lorencedajour
NOTURNO
Com seus dedos invisíveis
balança o vento a cortina,
muito leve, levemente,
tal farrapo de neblina.
A luz argêntea da lua
parece uma asa de vespa
tremulando suavemente
sobre um lago de água crespa.
Pela vidraça entreaberta,
iludindo que entra alguém,
entra o vento, sai o vento,
num noturno de Chopin.
E os teus dedos, no teclado
de marfim envelhecido,
são dez pássaros pousados
num trigal reflorecido.
De repente o vento cessa.
Uma nuvem tolda o luar.
Desce em pregas a cortina
e fica à música no ar...
Alfredo C. de Santana
In Poemas e Legendas
17/11/2009
Foto de Bakkerty Jap
LINGUAGENS
Notei que o vôo negro da hipálage
não tinha o mel dos lábios da metáfora,
e mais notara, se não fora a enálage,
e mais voara, se não fosse a anáfora.
Chorei dois oceanos de hipérbole,
duas velas cortaram a metonímia.
O pé da catacrese já marchava
no compasso toante dessa rima.
Verteu prantos a anímica floresta,
mas entramos dentro do pleonasmo,
‘stamos em pleno oceano da aférese...
Vai-se um expletivo, outro e outro mais...
Os poetas somos muito silépticos;
os poemas, elípticos demais.
Antonio Carlos Secchin
In Jornal da Poesia
foto by Bakkerty Jap
ARTE
Poemas são palavras e presságios,
pardais perdidos sem direito a ninho.
Poemas casam nuvens e favelas
e se escondem depois no próprio umbigo.
Poemas são tilápias e besouros,
ar e água à beira de anzóis e riscos.
São begônias e petúnias,
isopor ou mármore nas colunas,
rosas decepadas pelas hélices
de vôos amarrados ao chão.
Cinza do que foi orvalho,
poema é carta fora do baralho,
milharal pegando fogo
pelo berro do espantalho.
Antonio Carlos Secchin
In Jornal da Poesia
16/11/2009
Foto de www.thousand... no Flickr
para Thiago de Mello
até da mata
nasce o poeta
dos pântanos misérias
contrabandos até dali
das clareiras criminosas
surge o poema
mas são versos
com a força
caudalosa
de quem traz no corpo
um rio de esperança
e nessas águas
navega violento
à procura do outro
companheiro.
Renato Tapado
In Poemas para Quem Caminha
DESIDERATA
A poesia, se um dia de mim se for,
que eu não a renegue, nem de meus poemas
eu diga, ‘ah um dia isto tresloucado eu fiz’.
Quando o tempo da mais morna sensatez
ao chão me puxar , como um laivo de razão
a ensombrar os deuses, e as horas
vierem despidas, desfolhados na vastidão,
que eu não cerre as pálpebras
e mumure, ' consummatum est,
foi tudo desvio e dissipação’.
E se não mais me vibrarem os tímbalos
e de mim restarem tão somente
o silêncio imune e a cinza amorfa,
que de mim eu me lembre
como um acendedor de palavras,
e que eu me leia, na noite,
como se lêem os mosaicos dos sonhos,
os versos, o melhor de meus atos,
a mais sublime, libertária , rendição.
Fernando Campanella
In PalavreAres- Poemas,Crônicas & Imagens
tela Alphonse Mucha
15/11/2009
by Kim Anderson
PRECE PARA OS NAMORADOS
Pai Nosso que estais no céu, olhai os namorados juntinhos, de mãos dadas.Fazei do amor deles um reino, assim na terra como na Eternidade.O pão do amor deixai que eles provem todos os dias e perdoai os seus pecados como eles deverão perdoar-se mutuamente.E não os deixeis cair na tentação de destruir o amor com uma infidelidade.Livrai-os de todas as maldades humanas.
Lucinda dos Santos
In Folhas Secas
Pai Nosso que estais no céu, olhai os namorados juntinhos, de mãos dadas.Fazei do amor deles um reino, assim na terra como na Eternidade.O pão do amor deixai que eles provem todos os dias e perdoai os seus pecados como eles deverão perdoar-se mutuamente.E não os deixeis cair na tentação de destruir o amor com uma infidelidade.Livrai-os de todas as maldades humanas.
Lucinda dos Santos
In Folhas Secas
by Pablo Picasso
ALMA DE ARTISTA
Ter alma de artista
é sentir o belo,
é chorar de alegria,
é sorrir na tristeza
e cantar quando o coração chora.
Ter alma de artista
é vibrar com uma
simples carícia,
é amar o amor,
é querer ser amado.
Ter alma de artista
é ficar melancólico
sem saber por quê.
É sentir-se alegre
para espantar a tristeza.
É eternizar
um minuto de amor...
Lucinda dos Santos
In Folhas Secas
14/11/2009
É esta a hora perfeita em que se cala
O confuso murmurar das gentes
E dentro de nós finalmente fala
A voz grave dos sonhos indolentes.
É esta a hora em que as rosas são as rosas
Que floriram nos jardins persas
Onde Saadi e Hafiz as viram e as amaram.
É esta a hora das vozes misteriosas
Que os meus desejos preferiram e chamaram.
É esta a hora das longas conversas
Das folhas com as folhas unicamente.
É esta a hora em que o tempo é abolido
E nem sequer conheço a minha face.
Sophia de M.B.Andresen
Foto andorinhanegra.blogspot
13/11/2009
by www.marciomelo.com/2006/ContemplatingMan
PASSADO
Queria ter certeza de não pensar passados,
de não voltar no tempo,
não revolver lembranças vãs.
Sei da inutilidade deste ato,
embora não consiga dele ter controle.
E fica a marca funda, a cicatriz na alma,
a certeza de ferir-me sempre que me pego
assim,
recordando, reescrevendo a mesma
inútil estória sem heróis...
E fica este olhar perdido, voltado para trás,
teimoso,
insistindo em nada ver!
AC.Rangel
by Blogger Alma Tua
12/11/2009
Ergueu-se o arco-íris, após longa tormenta -
Nesta manhã tardia,o sol;
Como indolentes elefantes, as nuvens
Andam dispersas pelo horizonte.
Alegres despertam, nos ninhos, os pássaros -
O vento, é certo,amainou;
Mas - ai! - quão desatentos os olhos
Em que o verão rebrilhou!
A calma indiferença da morte
Por nenhuma aurora se abala -
Sílabas do lento arcanjo
É que devem despertá-la.
Emily Dickinson
In Poemas Escolhidos
Imagem Zsolt
Zsigmondn
10/11/2009
by enluarada.files.wordpress.com
CHUVA
Chuva morna, chuva de verão
Borbulha de árvores e arbustos.
Oh! Como é bom e cheio de bênção!
Uma vez mais sonhar de verdade!
Quanto tempo fiquei aqui fora,
Quão estranha esssa sensação:
Habitar a própria alma,
O estranho, sem atração.
Nada quero, nada peço.
Baixinho cantarolo sons de criança,
E, surpreso, chego ao berço
Dos sonhos quentes de folgança.
Coração, como estás machucado
Porém feliz, remexendo cegamente,
Nada pensar, nada saber,
Respirar e sentir, somente.
Hermann Hesse
In Caminhada
by Etienne-Maurice Falconet
A CRIAÇÃO FEMININA
Cristal frio
Bebendo a eternidade
Em teus olhos translúcidos.
Na dignidade da onda
Puseste os pés de Poesia
Que as fadas tornearam em séculos.
Tua asa me contorna
Criando os deuses que adejam
No jardim, no navio, no piano,
Por toda a parte onde fica
O rastro do teu fogo femina.
Murilo Mendes
In Poesias 1925/1955
Circe by John William Waterhouse
FELIÇAR...
Sou eu que faço você sofrer?
Ou é você que sofre por minha causa?
Ou, ainda, é você que sofre por sua própria causa?
Chegar a essa pergunta (leva anos e anos) e é essencial na relação do amor.
A resposta demandará muito tempo, sofrimento e, em cada caso, será diferente. Mas, se encontrada, melhorará qualquer relação. Ou constatará o seu término.
Proponho, como exercício, uma atitude de troca. Onde se lê sofrer, leia-se feliçar (eu feliço, tu feliças, ele feliça, nós feliçamos, vós feliçais, eles feliçam).
Por que felicidade não tem verbo?
A pergunta, então ficaria:
Sou eu que faço você feliz, ou é você que feliça por minha causa?
Curiosa e masoquista a vida. O verbo sofrer é complicado.
Feliçar é simples.Por que a gente prefere conjugar o sofrer?
Arthur da Távola
08/11/2009
07/11/2009
Two white doves by Walter Sittig
ABSTRAÇÃO DO AMOR
1
Aproxima-te de mim, dá-me as mãos delicadas
E descansa a cabeça no meu ombro.
É melhor que não desnastres os cabelos,
Os louros,finos e obedientes cabelos
- Essa parte dignificada do teu corpo,
A que melhor resistirá à morte.
Hesito entre o lado diurno e noturno do teu ser.
Aos olhos do homem tu és apenas decorativa,
Mas eu pressinto claramente em ti
A que tem o pudor da sua profundidade,
A que espera a anunciação dum forte drama
Que dividirá a vida como espada de dois gumes.
2
Talvez seja mais belo e favorável à poesia
Que nunca te manifestes totalmente a mim
E que continuemos a nos ver na obscuridade
Para que eu, guardando a eterna nostalgia de ti,
jamais possa me sentir saciado.
3
Todos são fascinados pela tua vida visível,
Pela tua aparente suavidade.
Todos são fascinados pelo teu nome:
E ninguém conhece teu verdadeiro nome.
Há entre mim e ti zonas de sombra
Contornadas por anjos divinatórios.
Há entre mim e ti o mínimo necessário
Para assegurar tua invisibilidade.
4
Existes telefonicamente para mim.
Às vezes não consigo te tornar bastante obscura
E me traio, pedindo tua presença.
Quanto mais longe de ti mais te desejo
E te sinto mais branca e invunerável.
Ainda não és um mito, ainda não estás
Fixada na invisível realidade.
Murilo Mendes
In Poesia 1925/1955
DansPhotoArt
COMEÇO DE BIOGRAFIA
Eu sou o pássaro diurno e noturno,
O pássaro misto de carne e lenda,
Encarregado de levar o alimento da poesia e da música
Aos habitantes da estrada do arranha-céu e da nuvem.
Eu sou o pássaro feito homem , que vive no meio de vós.
Eu vos forneço o alimento da catástrofe e o ritmo puro.
Trago comigo a semente de Deus...e a visão do dilúvio.
Murilo Mendes
In Poesia 1925/1955
DansPhotoArt
SOMOS TODOS POETAS
Assisto em mim a um desdobrar de planos.
As mãos veem, os olhos ouvem, o cérebro se move,
A luz desce das origens através dos tempos
E caminha desde já
Na frente dos meus sucessores.
Companheiro,
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma.
Sou todos e sou um,
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita
vazia do cego
Pelos gritos isolados que não entraram no côro.
Sou responsável pelas auroras que não se levantam
E pela angústia que cresce dia a dia.
Murilo Mendes
In Poesias 1925/1955
05/11/2009
Foto de Manu Alves no Flickr
ÀS VEZES
Às vezes, quando algum pássaro chama
ou entre os ramos algum vento sopra
ou nalgum pátio longe ladra um cão,
por longo tempo eu escuto e me calo.
Minha alma voa para o passado,
para onde, há mil esquecidos anos,
o pássaro e o vento que soprava
mais pareciam meus irmãos e eu.
Minha alma faz-se uma árvore,
um animal, um tecido de nuvens...
Transfigurada e estranha, volta a mim
e me interroga. Que resposta lhe darei?
Hermann Hesse
In Andares
by Robert Reid
Acorda, amor. Não ouves o silêncio
ranger à volta da nossa casa?
Algo se passa. As aves na palmeira
do pátio acabam de estremecer.
Ouço-as pelas frestas da velha parede
e o medo volta de novo ao meu coração.
Bem sei que não devia ter medo, que o sono
é esse doce país cantado pelo poeta,
onde os rios não correm somente
para demarcar os ódios, e as nuvens
apenas ocultam a boa água fertilizante.
Condeno-me por isto. Por tremer
diante dum pensamento e acordar, a teu lado,
quando um leve sussurro atravessa a noite.
É como se a tua presença não bastasse,
fechando não sei que porta imaginável.
Desculpa, amor. Mas tremo. A teu lado.
Apesar do teu rosto amanecente.
Mesmo sabendo que em teu corpo
se abriu a corola de todas as delícias.
Pelas frestas da velha parede,
eis-me a interrogar a noite. Que acontece?
Que sombras se movem além do rio?
Talvez eu delire, ainda sob a impressão
do último bombardeamento. Lembras-te?
Num momento, destruíram os favos
da nossa alegria. E o mel de tantos anos
barbaramente se diluiu na enxurrada infernal.
Foi como se enorme sanguessuga de repente
se colasse a nós. Ainda tremo.
Tu escondeste a cabeça no meu peito
e eu, quando acordei sob os escombros,
tinha uma perna destroçada. Podia ter as duas.
Não é isso que me faz tremer. Mas recordo
a febre de teus lábios em minhas mãos,
o quadro dos teus cabelos outonais
e o corpo do nosso filho, parado, no teu regaço.
Perdoa, amor, esta lágrima. Não acordes.
Se eles voltarem, cobrir-te-ei com o meu corpo,
com este corpo inútil que me deixaram.
Não acordes, amor. Em que estrela
buscas agora o nosso filho? Que palmeira
o acolhe à sua benigna sombra?
Ele põe a mão na rosa do teu seio
e nos teus lábios ardem pétalas. Meu filho!
Lembras-te como eu gostava de o levantar
bem alto? Meus braços, agora débeis,
fremiam, reverdeciam como ramos,
e tu dizias, luminosa: o tronco e a flor.
Era como se o dia voltasse a nascer,
nascesse a cada instante,
cingindo-me aos teus olhos belamente doirados.
Era. Agora, não. Agora é noite. Prolongada.
Não durmo. Doem-me as pálpebras e a alma.
A paz escoa-se pelas frestas da parede.
Que sombras se movem aquém do rio,
fazendo ranger todo o silêncio?
Se vierem… que venham. Dorme, amor.
Amamenta em sossego o nosso filho.
Se vierem,
Cobrir-te-ei com o que resta do meu corpo.
António Cabral
In Vietname
Rose Garden II by Design Show
Quando voltares, põe na tua voz
aquela flor azul que te ofereci.
Talvez, assim, eu julgue reencontrar-te
e os olhos se encham, outra vez.
Ainda tens no gesto aquele susto
que se enrolava todo nos meus dedos
e punha à nossa volta
um colar de silêncios ardendo?
Tudo mudou, bem sei. Naquela tília
o Outono já começou;
e nas tuas palavras
algumas folhas devem ter caído.
Mas, se voltares, põe a flor azul,
põe o passado no gesto e na voz.
Talvez, assim, eu julgue reencontrar-te
e os olhos se encham. É tão fácil!
Bebe comigo o sol
Detém-te a meu lado. O tempo
necessário dum olhar
sem ontem nem amanhã.
Só luz. Quem não percebe
as cascatas latentes
numa sombra, e não ouve
o crepitar duma urze,
que contas prestará
dos seus olhos? Bebe comigo
o sol na concha do silêncio.
António Cabral
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